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Conta-se que ao chegar a um antigo mosteiro, de antigos costumes e de muitas tradições um visitante, enquanto esperava na sala do parlatório, tinha acesso a jornais que se encontravam sobre uma mesa, mas curiosamente, eram jornais publicados há mais de trinta anos.

Um dos visitantes perguntou ao superior qual o motivo de estarem ali jornais tão velhos, e este lhe respondeu que os fatos sobre os quais vale a pena se deter são aqueles que permanecem por muito tempo.

Muito provavelmente essa é daquelas histórias que mais do que pretenderem refletir uma realidade procuram transmitir um ensinamento. De fato, os acontecimentos importantes são aqueles que perduram e que influenciam um longo tempo. Assim as manchetes que tratam, por exemplo, dos eventos desportivos, da vida, ou da má vida de famosos artistas ou mesmo informações sobre catástrofes, tem grande repercussão. No entanto, seus efeitos duram muito pouco porque pouco penetram no pensamento humano e são por isto mesmo de pouca importância.

Essa verdade é bem comentada por Gustave Le Bom em seu livro psicologia das multidões. Vejamos:

“As grandes alterações que precedem a transformação das civilizações parecem, à primeira vista, determinadas por agitações políticas de importância considerável: invasões de povos ou quedas de dinastias. Mas um estudo atento destes acontecimentos revela que, por detrás das causas aparentes, a causa real é, na maior parte das vezes, uma transformação profunda nas ideias dos povos. As verdadeiras alterações históricas não são as que nos espantam pela grandeza e violência. As únicas transformações decisivas, as que conduzem à renovação das civilizações, efetuam-se nas opiniões, nas concepções e nas crenças. Os acontecimentos memoráveis são os efeitos visíveis de transformações invisíveis nos sentimentos dos homens”.(Gustave Le bom, Psicologia das multidões, edições Roger Delraux, 1980, p. 4).

Assim, acreditamos ser mais proveitoso analisar quais são as ideias que estão movendo as pessoas, do que as notícias que foram as manchetes e que neste ano de 2020 chamaram a atenção do público em geral, como a pandemia do coronavirus, número de mortes, disputas políticas, investigações sobre vacinas e dificuldades econômicas.

É nos momentos difíceis, nas grandes emoções, e particularmente no pavor que ficam claros os princípios que regem as pessoas. É na guerra que se conhece realmente quem são os heróis, os covardes e os traidores. Foi na arena romana, mais do que nos discursos, que se viu em que realmente os cristãos acreditavam.

Creio que a pandemia tenha revelado três níveis de pensamentos que influenciam os homens na atual sociedade. Sobre dois deles já se tratou muito, mas há um terceiro que certamente surpreenderá a grande maioria de nossos leitores.

Não tenho a pretensão de resolver ou esgotar tão vasto assunto, mas uma breve analise talvez possibilite uma reflexão que pode ser de muito proveito para nossos leitores.

A pandemia deixou claro que em um primeiro nível do pensamento a saúde é considerada como o bem supremo.

Para se evitar o risco de um contágio, que poderia prejudicar a saúde, tudo deve ser sacrificado. Como se colocou o isolamento como uma condição necessária para a manutenção da saúde, tudo aquilo que não fosse absolutamente essencial deveria ter sua atividade encerrada. Os laços sociais e familiares devem ser ignorados ante o risco do contágio.

Com base no risco de perder a saúde, apoiados na opinião do que a impressa chamou de “especialistas”, nações inteiras aceitaram o “fique em casa” e aplaudiam as pesadas multas impostas por uma simples volta no quarteirão. Agradeceram aos seus governos por conduzirem políticas sanitárias que levam as nações ao colapso econômico.

Com o apoio da imensa maioria dos católicos, o “endeusamento” da saúde justificou o fechamento das Igrejas, mesmo que os mercados continuassem abertos. Assim, o culto das conservas, necessárias para a manutenção da saúde foi mantido, mas o culto a Deus deixou o âmbito público para se tornar privado.

Até o Padre Paulo Ricardo, famoso pela defesa da igreja e da doutrina tradicional, em alguns pontos, chegou mesmo a chamar aqueles que desejavam ir a Missa no tempo da COVID de fideístas, ou seja, pessoas que não tem motivos racionais para acreditar em Deus. (https://www.youtube.com/watch?v=NRy-pIpfZEY).

Aqui, me pergunto: se estamos, no inicio de janeiro de 2021, nas mesmas condições sanitárias que estávamos em meados de 2020, porque o Padre Paulo Ricardo não acusa todos que abrem a Igreja neste momento de fideístas?

A ideia de que diante da vida material a vida espiritual não tenha nenhum valor, ou pelo menos tenha um valor muito menor, está difundida e penetrou profundamente em nossa sociedade. Gustave le Bom também comenta esse fenômeno:

“Dois fatores essenciais estão na base dessa transformação. O primeiro é a destruição das crenças religiosas, políticas e sociais de onde derivam todos os elementos da nossa civilização”. (Gustave Le bom, Psicologia das multidões, edições Roger Delraux, 1980, p. 4).

A confiança cega nos “especialistas” é justificativa para essa forma de agir. A imprensa os transformou nos sacerdotes inerrantes do culto à saúde.

Peter Ducker, guru da administração empresarial, em seu livro Sociedade Pós Capitalista, publicado inicialmente em 1.993, defendia que a sociedade moderna deveria ser conduzida por especialistas, e que se os costumes dos povos entrassem em conflito com o recomendado pelos especialistas estes deveriam prevalecer.

Muitas teses absurdas e contraditórias são apresentadas e aceitas com confiança absoluta porque seriam elaboradas pelos mesmos “especialistas”. O povo, desejoso de obedecer em um momento de confusão, se entrega de maneira servil as orientações julgando que desta forma suas responsabilidades estão terminadas. Os que discordam dessas orientações são considerados traidores e irracionais.

As mascaras inicialmente eram desprezadas pelos especialistas pois seriam apenas uma ilusão de proteção facilitando a transmissão do vírus. Agora passaram a item indispensável, por recomendação dos mesmos especialistas. Quem evidencia a contradição é “negacionista” e não se interessa pela saúde do povo.

Entretanto, aplicar o princípio de soberania da saúde sobre qualquer outro bem, apesar de explicar e justificar muitas das atitudes atuais não esclarece outros eventos que ocorreram durante a pandemia.

Se o bem supremo é a saúde, como explicar a exigência de que os tratamentos das doenças fossem adiados e os abortos devessem ser mantidos a qualquer custo? Como se despreza tanto a saúde daqueles que estão por nascer? Como explicar ainda que a Holanda proíbe os encontros familiares no Natal, mas permite que os pontos de droga funcionem normalmente? As drogas obviamente fazem mal para a saúde. E como explicar o desejo pela vacinação obrigatória, quando a internação compulsória de viciados em drogas, no caminho da morte, seja proibida? Não é muito mais risco para à saúde um drogado que precisa ser internado do que um jovem que não queira ser vacinado?

E mais. Porque a imprensa condena de forma tão veemente as concentrações de pessoas, mesmo as pequenas concentrações familiares, como imprudência que terá graves consequências, enquanto as concentrações favoráveis ao aborto, como ocorreu com a aprovação desta iníqua lei pelo senado argentino são tratadas com muita simpatia?

Porque esquecer a concentração que ocorreu no velório de um jogador de futebol conhecido tanto por sua habilidade quanto pelo seu vício? Porque a saúde que seria o bem supremo é ignorada em algumas ocasiões?

Talvez não seja propriamente a saúde que estaria em primeiro lugar, mas algo que, se bem diferente, se confunde com ela. Estamos falando do prazer. E aqui estamos no segundo nível de pensamento que a pandemia parece nos ter revelado.

A saúde pode ser definida como estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. Tem uma base racional e é ser procurada pelo bem que ela é. O prazer difere do desejo da saúde porque coloca as sensações do corpo acima de qualquer outro bem.

Assim, o drogado troca o prazer de uma sensação pela própria saúde e no fim considera que a vida não tem razão se não existir a sensação produzida pela droga. Ou seja, o drogado visa o bem do corpo somente em quanto ele é útil para o prazer. Colocando o prazer em primeiro lugar se entende porque o vício é permitido mesmo quando contrário a saúde.

Na historia o desejo do prazer foi representado pelo Hedonismo, filosofia que coloca o prazer do corpo como bem acima de qualquer outro. O prazer é tomado como critério das ações humanas e como único valor supremo.

Nos tempos modernos o hedonismo renasceu com sentimentalismo romântico e irracional e amoleceu toda a sociedade, especialmente os católicos que, no passado, nunca consideraram o sofrimento físico como um mal absoluto. Esta mentalidade hedeonista que produziu os slogans modernos de que o importante é "sentir-se bem", "ser feliz".

Colocando o prazer como primeiro princípio se entende porque o vício é permitido e tolerado inclusive quando colabora na propagação do COVID. Entende-se porque os governos do mundo inteiro deixaram funcionar os locais de droga e de prostituição quando determinaram ou influenciaram para o fechamento das igrejas.

Mas ainda haveria uma questão.

Se a busca pelo prazer é o fundamento das ideias de nossa sociedade como justificar que as pessoas se sacrifiquem para evitar contraírem o COVID.

Para responder esta questão devemos ressaltar, em primeiro lugar, que muitos casos que aparentemente representariam um sacrifício, na realidade são apenas desculpas para que se mude o comportamento.

Por exemplo, um padre amigo, que não está na linha tradicionalista, comentou que durante a pandemia encontrou seus paroquianos, que já não compareciam à missa, nas filas do banco e nas bancas de feiras. Perguntou aos paroquianos que encontrou porque procediam desta forma e obteve como resposta que eram os filhos que recomendavam não comparecer a Igreja para não correr risco de contaminação.

Claro é que o conselho dos filhos, se é que realmente existiu, somado a situação real de uma nova doença, nada mais era do que a justificativa para abandonar um pequeno sacrifício de dar uma hora da semana para Deus.

Em segundo lugar não é incomum que se façam sacríficos imaginando que o prazer a ser conquistado compensará tudo, vide as horas que muitos passam no trânsito por um final de semana em uma praia lotada.

Acreditamos ainda que exista um terceiro ponto e aqui chegamos no terceiro nível do pensamento moderno.

A suposta felicidade produzida pelo prazer é falsa, e sensual, e por isto não satisfaz ao homem. Quando o prazer chega no limite começam a aparecer as taras e uma delas é sentir o prazer no próprio sofrimento. Toda busca desordenada pelo prazer leva a escravidão e no auge o escravo tem prazer em sofrer. O demônio nunca dá aquilo que promete.

Quando há um excesso de liberdade o que se produz é a ditadura. Essa máxima, válida para a política, também ocorre em outros campos. Assim, não é incomum que os jovens desejosos de liberdade se entreguem a lideres de seitas que os dominam por completo a ponto de escraviza-los. Portanto, não é estranho que algo similar ocorra em relação à busca de prazer. É estudado pela Psicologia, em situações individuais, o fenômeno de desejar o sofrimento quando se atingiu o limite do prazer. Isto também não ocorreria no aspecto coletivo, onde o prazer fosse buscado a todo o custo e todas as liberdades fossem concedidas?

E o desejo de dominação e sofrimento não seria algo que, ao menos em parte, explicaria a atual admiração pelo governo chinês?

A China tem um governo absolutamente ditatorial, sendo inclusive o governo mais assassino de toda a história. Na atualidade, realiza um política brutal de controle da natalidade que implica no assassinato de milhões de bebês. Silencia a imprensa, condenando à prisão, repórteres, acusando-os de perturbadores da ordem por terem divulgado fotos da situação da pandemia em Wuhan. Além disso, não resta dúvida de que a pandemia começou na China. Embora não se saiba se sua propagação foi uma falha ou algo proposital, é fato que produziu um enorme mal. Entretanto a sociedade moderna vê o comunismo chinês como humanizado e interessado no bem comum, colocando muita esperança nas vacinas chinesas.

Para concluir podemos perguntar qual a consequência desse pensamento moderno.

Há quem afirme que o Anticristo não será considerado deus por ter uma ação benéfica como foi a de Nosso Senhor, ou seja, curando doentes e fazendo o bem, mas o culto que lhe será prestado terá como base o mal que ele fará a humanidade. A tese parece bastante razoável porque o demônio não dá o que promete e não deseja nem mesmo a felicidade material do homem. Assim, o desejo de sofrer produzido por um fastídio do prazer seria mais uma característica do Anticristo presente em nossa sociedade.

Mais do que nunca, devemos dar atenção às palavras de Bento XVI:


“Em 1794, no livro « Das Ende aller Dinge » (O fim de todas as coisas), aparece uma imagem diferente. Agora, Kant toma em consideração a possibilidade de que, a par do fim natural de todas as coisas, se verifique também um fim contrário à natureza, perverso. Escreve a tal respeito: «Se acontecesse um dia chegar o cristianismo a não ser mais digno de amor, então o pensamento dominante dos homens deveria tomar a forma de rejeição e de oposição contra ele; e o anticristo [...] inauguraria o seu regime, mesmo que breve, (baseado presumivelmente sobre o medo e o egoísmo). Em seguida, porém, visto que o cristianismo, embora destinado a ser a religião universal, de fato não teria sido ajudado pelo destino a sê-lo, poderia verificar-se, sob o aspecto moral, o fim (perverso) de todas as coisas».[18] (Bento XVI, Spe salvi, n0 19).
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